quinta-feira, 10 de março de 2011


"Uma mulher não perdoa uma única coisa no homem: que ele não ame com coragem. Pode ter os maiores defeitos, atrasar-se para os compromissos, jogar futebol no sábado com os amigos, soltar gargalhada de hiena... Qualquer coisa é admitida, menos que não ame com coragem.
Amar com coragem não é viver com coragem. É bem mais do que estar aí. Amar com coragem não é questão de estilo, de gosto, de opinião. Não se adquire com a família, surge de uma decisão solitária. Amar com coragem é caráter. Vem de uma obstinação que supera a lealdade. Vem de uma incompetência de ser diferente. Amar para valer, para dar torcicolo. Não encontrar uma desculpa ou um pretexto para se adaptar, para fugir, para não nadar até o começo do corpo. Não usar atenuantes como “estou confuso”.
Não se diminuir com a insegurança, mas se aumentar com a insegurança.. Não desmarcar um amor pela amizade. Não esquecer de comentar pelo receio de ser incompreendido. Não esquecer de repetir pela ânsia da claridade. Amar como se não houvesse tempo de amar. Amar esquisito, de lado, ainda amar. Amar atrasado, com a respiração antecipando o beijo. Amar com fúria, com o recalque de não ter sido assim antes. Amar decidido, obcecado, como quem troca de identidade e parte a um longo exílio. Amar como quem volta de um longo exílio...
Amar com coragem, só isso."

Fabrício Carpinejar.


quarta-feira, 9 de março de 2011

Cinema mudo




Eu queria saber a quantia exata de tchaus e desculpas serão necessárias para que eu entenda a situação superior que você ocupa. Eu preciso saber quantos "Morena, preciso ir agora", "Morena, vou ver minha série favorita",  "Morena, vou ler", "Morena, vou lustrar os sapatos" (lustrar os sapatos?), ainda faltam para que essa situação ganhe uma forma exata, nem que seja um daqueles impactantes "The End" em negrito e caps lock. Porque eu preciso muito amar outro homem, Baiano. Eu preciso de outro alguém que me faça sentir essa alegria de jardim de infância, tome as providências necessárias para esse meu coração lunático disparar e assuma a responsabilidade dessa minha  preguiça de prestar atenção em outros caras.
Se eu soubesse a quantia exata de dias restantes para a minha alforria, iria agindo como os presidiários, fazendo risquinhos na parede na expectativa do grande dia. Mas não existe matemática nem fórumulas prontas para esse tipo de caso. Não existe terapia, auto-ajuda ou conselhos suficientes para me fazer entender. O caso é grave, quase irremediável.
O jeito é ir acompanhando essa transição de monólogos para cinema mudo. Carregando esse gosto de quase e esse talvez comprimindo o peito, com uma paciência de monge tibeteano porque sinto que ainda precisarei de mais algum tempo sem definição e de força, muita força. Afinal, eu sou fraca, mas e principalmente porque esse peso, o amor, ainda é forte.



03.03.2001 às 07:10

quinta-feira, 3 de março de 2011

Sobre a incapacidade de seguir adiante


Já não eram mais goles inocentes e reversíveis, era a garrafa inteira. Na verdade, garrafas, que pelas minhas contas eram três, de vinho que ele dizia que era caro com uma certeza de sommelier e me enchia com detalhes que só me faziam ter vontade de engolir aquele líquido como se tivesse sido adquirido em uma mercearia de esquina e custado 3,50. 
Ele falava tanto que não percebia que eu não só estava enchendo a cara, como o saco inteiro com aquele assunto. Afogava toda a dor e tédio naquelas taças bonitas de um vinho que não lembro o gosto nem o nome. E nós não tínhamos ido ali nem para beber e muito menos para falar, mas fizemos os dois com um rigor de forças armadas. Mas era justo, assim como eu não entendia dos vinhos dele, ele não entendia da minha matemática primária, nem das minhas teorias. 
Ele pulou para o jazz, o cinema, o blues, o passado de sonhos fragmentados e todas as possibilidades de sorrisos no futuro. Até que eu já não entendia seus pedidos, suas observações precipitadas e já dançava de olhos fechados e semi-nua pela sala de estar - que tinha um ar explícito de casinha de boneca, mesmo sendo de homem de 1,91m. Eu era apressada demais para a melodia de Astaire e pisava nos meus próprios pés. Abri os olhos, os deles continuaram fechados. Não tocava meus seios, não me lambia, não me chupava. Tocava meus lábios levemente com os dele. 
Quando segurou forte a minha mão, eu sabia que aquele seria apenas o primeiro passo para o escuro. Algo em mim suplicava para que não tivesse mais volta. Não voltar era justamente o que eu precisava. E eu queria que aquela noite durasse a vida toda, porque eu sabia que se ela acabasse, involuntariamente e sem direito de defesa ou contestação, eu voltaria para você, Baiano. Para você que está distante ou sequer existe. E é, justamente, por conseguir prever o final que eu sempre impeço os inícios. 


Até agora, Baiano, só consegui acompanhar o ritmo de Cheek to cheek com você. Porque é nesse exato momento que eu sempre mergulho nesse seu cheiro que eu nunca senti.






letra



01.03.2011 às 05:32

terça-feira, 1 de março de 2011

"Onde inícios e finais coincidem"

Achava tão curioso passar por ali e aquela porta estar sempre aberta. Era incrível, porque as outras estavam sempre fechadas, ou se estavam abertas, eram só cenas explícitas do sofrimento de alguém. Mas aquela menina era diferente, ela sempre estava sentada na cama, com um netbook lilás no colo, e com um ar de sorriso nos olhos. Não importava a hora da noite apontada pelo relógio, ali dentro era sempre dia. Não importava o dia, não importava a hora, era exatamente assim.
Senti-me tão suja, tão pesada. Senti inveja por nunca ter conseguido fazer minha caber em uma tela de computador assim, sem me sentir presa, sufocada. Ela conseguia, no lugar mais improvável, o que eu nunca consegui sentir por completo: leveza.
Uma certa noite de insônia enquanto passeava não resisti àquela cena congelada. Ela achou estranho que eu ficasse parada na porta dela, quando a situação exigia que eu estivesse deitada. 
"Você anda muito e rápido", falou. Eu sorri. "Onde queres chegar com tanta pressa?", perguntou em seguida. Eu chorei. "Sei que você tem medo que isso tudo aqui te sugue, que consuma essa vida que vai além daquilo que corre em tuas veias, mas não vai. Você imagina, sente, sonha, é forte. Sei que em nenhum segundo a sua imaginação deixou que você permanecesse aqui. Escute bem: você não precisa correr porque já aprendeu a voar".
Achei tão comovente uma menina tão jovem, que tinhas todos os motivos para perder a fé, que podia mandar tudo à merda, botar a culpa Deus, no destino, mas não o fez. Pelo contrário, segurou na minha mão bem forte e me trouxe de volta à superfície. A partir daquele momento não havia mais nada a ser desesperado. 
Desculpe-me, Baiano, mas eu não tive tempo de sofrer por você. Nem de sentir pena de mim por você ter ido embora. Haviam dores reais para serem sentidas. Que precisavam ser vividas, hoje sei. Haviam portas abertas para serem adentradas enquanto a sua se fechou. É... Inícios e finais coincidem. Um dia, mais tarde do que cedo, aos trancos e barrancos, a gente aprende. 


Ah, antes que eu esqueça, aquela menina com frestas na alma era um espelho, ela era eu.




(Obrigada a todos pelos comentários anteriores, pelas visitas, pela torcida, pela força. Foi imprescindível.
Aqui, como parece, não tem apenas pedaços de mim. Essa ausência ensinou-me bastante, descobri que estou por inteira.Sou por completo. E que o todo inclui vocês.)




letra